Contra
as distorções no conhecimento, e contra uma parte do que está aí, um
professor da Universidade de São Paulo (USP) criou um curso para ajudar
professores atuantes na Educação Básica a levar o assunto Copa do Mundo
às salas de aula de uma maneira mais crítica e menos passiva.
“Notamos que, em muitas escolas, trabalhar Copa do Mundo se restringe
a montar aquele campeonato em que cada turma escolhe um país e depois
apresenta as pesquisas em cartazes expostos pela escola”, diz o
professor responsável pelo curso, Marcos Neira.
Segundo Neira, discute-se muito a metodologia de ensino com os
professores, mas não os temas a serem abordados com os alunos. “Queremos
que os professores possam ajudar as crianças a analisar criticamente a
Copa, acabando com o discurso ufanista. Queremos abalar um pouco essa
ideia do ‘legado da Copa do Mundo’”, diz.
A reportagem do UOL Esporte esteve
presente no último dos seis encontros do curso “Olhares e análises da
Copa do Mundo 2014: subsídios para uma abordagem diferenciada”, no mês
de abril. Nesta aula, os professores deveriam apresentar para os colegas
o resultado do trabalho desenvolvido com seus alunos no período do
curso. O encontro começou, no entanto, com um debate baseado em críticas
ferrenhas ao ente chamado de “grande mídia” e sua colaboração para a
perpetuação da ordem estabelecida. Em seguida, eles iniciaram as
apresentações.
“Trabalhando a pedagogia do dissenso, saíram discussões calorosas
entre os estudantes sobre os aspectos positivos e negativos do evento.
Eu espero que eles tenham uma opinião e que não se rendam ao discurso
simplista, ao senso comum”, disse o professor de educação física da
Escola Municipal de Ensino Fundamental Dom Pedro I, Marcos Ribeiro das
Neves, que dá aulas para alunos da 7ª série.
Já o professor Felipe Nunes, da Escola Estadual Eugênio Mariz de
Oliveira Netto, iniciou um trabalho diretamente com os debates.
Primeiro, perguntou aos alunos o que achavam da realização do evento no
Brasil, e ouviu mais considerações negativas do que positivas. Depois,
pediu a eles que perguntassem a opinião dos pais. As respostas tiveram
um tom mais ufanista.
O professor confrontou os dois discursos em sala de aula num debate
sobre ufanismo e nacionalismo, usando a história do Brasil nas Copas
como referência. Ao fim do processo, os alunos sugeriram pintar
questionamentos sobre a Copa nos muros de uma das ruas que sempre são
decoradas antes das Copas.
“Achei mais prudente que fizéssemos de outra forma. Tivemos, então, a
ideia de chamar para um debate na sala de aula as pessoas que pintam
essa rua, perto da casa de um dos alunos, e debater com eles as questões
que os alunos apresentaram em cartolinas”, falou o professor. Alguns
exemplos das frases escolhidas pelos alunos para estes cartazes, segundo
Nunes, foram “O que a Copa vai mudar no Brasil?” e “Avança Brasil. Copa
para quem?”.
Apesar de entender que os valores gastos pelo Estado com a Copa são
bem menores, comparativamente, do que aquilo que o governo federal
destina anualmente à Saúde e à Educação no país todo, Neira vê na Copa
do Mundo de 2014 um problema de prioridades:”O governo poderia ter
escolhido dedicar-se a outros temas e meu medo é que eventos deste porte
sejam usados politicamente para camuflar outras questões. Vemos aí
gente importante dizendo que ‘morrer faz parte’ ou que ‘não se faz Copa
com hospital’. A maioria dos atletas só ajuda a reforçar essa
alienação”, diz, referindo-se aos comentários recentes de Pelé sobre a
morte de um operário no Itaquerão e de Ronaldo, no ano passado, quando
questionado sobre os gastos públicos com o Mundial.
Para Marcos Neira, esse olhar acaba contaminando as escolas também,
que deixam de estimular o pensamento crítico: “Em vez de educadores, nos
tornamos torcedores. Não há nenhum problema em torcer, mas não podemos
transformar a escola numa extensão do estádio”.
Fonte: Com informações do Portal UOL
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